Artistas renomados nacionalmente e em todo mundo como Gilberto Gil, Ney Matogrosso, Letícia Sabatella, Zeca Pagodinho, Zeca Baleiro, além de Maria Bethânia, Lenine, somando, mais de 20 artistas, incluindo o antropólogo pós-estruturalista mundialmente conhecido Eduardo Viveiros de Castro, se uniram e gravaram um hino a favor da demarcação de terras indígenas no pais.
O videoclipe da canção “Demarcação Já”, de Carlos Renno e Chico Cesar, foi lançado dia 24 de abril de 2017, como parte das ações da Mobilização Nacional Indígena, que prevê uma série de atos e protestos em Brasília como reforço nacional a esta que é a principal causa dos índios brasileiros.
Clipe:
“É um grito de luta”, diz Gilberto Gil, um dos artistas brasileiros mais reconhecidos, dentro e fora do país, pela qualidade do seu trabalho musical e autoral. “A gente não pode deixar o que ainda resta, que é tão pouco, quase nada, não ser protegido”, explica Lenine. A composição da canção foi iniciativa do Greenpeace, do Instituto Socioambiental, e da Bem-te-vi, em parceria com as produtoras Cinedelia e O2.
Artistas que participaram da gravação:
Ney Matogrosso
Maria Bethânia
Gilberto Gil
Djuena Tikuna
Zeca Pagodinho
Zeca Baleiro
Arnaldo Antunes
Nando Reis
Lenine
Elza Soares
Lirinha – José Paes de Lira
Leticia Sabatella
José Celso Martinez Corrêa
Tetê Espíndola
Edgard Scandurra
Zélia Duncan
Jaques Morelenbaum
Dona Onete
Felipe Cordeiro
Criolo
Marlui Miranda
BaianaSystem
Margareth Menezes
Céu
E ainda participação de:
Eduardo Viveiros de Castro (antropólogo)
André Vallias (poeta)
Ailton Krenak (indígena e escritor)
A demarcação de terras indígenas no Brasil está momentaneamente parada desde que o presidente Michel Temer chegou ao Planalto. Desde 29 de abril de 2016, nenhum decreto homologando demarcação de terras foi assinado pelo governo federal. São 72 áreas que estão à espera da assinatura da presidência.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) sofreu nestes últimos anos com corte de cargos e verbas e fechamento de unidades. Além de ingerências políticas no órgão. Aliás, isto é uma prática infelizmente comum nas administrações públicas e não se limita somente a Funai.
O ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB), informou que decidiu demitir Antônio Fernandes Toninho Costa, presidente da Funai, e substituí-lo, para presidência interina, o general do Exército Franklimberg Ribeiro de Freitas. Franklimberg já trabalhava na instituição como diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável.
A decisão política de demitir Antônio Costa aconteceu na quarta-feira (19), dia do Índio, e causou real frisson na Funai. Os 25 nomes indicados por André Moura, deputado federal pelo PSC, para serem contratados pela Funai não são de carreira do órgão.
A entidade também passou por cortes orçamentários. No ano passado, o orçamento executado foi de R$ 531 milhões – pouco menos que o valor de 2015 de R$ 534 milhões. A perda foi de quase 11%. Em setembro do ano passado o decreto nº 8.859 estipulou um corte de 38% dos recursos para custeio e investimento na Funai.
Segundo o Censo de 2010, vivem no país: 817 mil indígenas. Estima-se que eram pelo menos 3 milhões em 1500, quando os portugueses desembarcaram para colonizar o país.
Abaixo, segue a letra de “Demarcação já”. Uma canção que tem a letra de Carlos Rennó e a música de Chico César.
Já que depois de mais de cinco séculos
E de ene ciclos de etnogenocídio,
O índio vive, em meio a mil flagelos,
Já tendo sido morto e renascido,
Tal como o povo kadiwéu e o panará
– Demarcação já!
Demarcação já!
Já que diversos povos vêm sendo atacados,
Sem vir a ver a terra demarcada,
A começar pela primeira no Brasil
Que o branco invadiu já na chegada:
A do tupinambá –
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que, tal qual as obras da Transamazônica,
Quando os milicos os chamavam de silvícolas,
Hoje um projeto de outras obras faraônicas,
Correndo junto da expansão agrícola,
Induz a um indicídio, vide o povo kaiowá,
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que tem bem mais latifúndio em desmesura
Que terra indígena pelo país afora;
E já que o latifúndio é só monocultura,
Mas a T.I. é polifauna e pluriflora,
Ah!,
Demarcação já!
Demarcação já!
E um tratoriza, motosserra, transgeniza,
E o outro endeusa e diviniza a natureza:
O índio a ama por sagrada que ela é,
E o ruralista, pela grana que ela dá;
Hum… Bah!
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que por retrospecto só o autóc
Tone mantém compacta e muito intacta,
E não impacta, e não infecta, e se
Conecta e tem um pacto com a mata
–Sem a qual a água acabará –,
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra que não deixem nem terras indígenas
Nem unidades de conservação
Abertas como chagas cancerígenas
Pelos efeitos da mineração
E de hidrelétricas no ventre da Amazônia, em Rondônia, no Pará…
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que “tal qual o negro e o homossexual,
O índio é ‘tudo que não presta’”, como quer
Quem quer tomar-lhe tudo que lhe resta,
Seu território, herança do ancestral,
E já que o que ele quer é o que é dele já,
Demarcação, “tá”?
Demarcação já!
Pro índio ter a aplicação do Estatuto
Que linde o seu rincão qual um reduto,
E blinde-o contra o branco mau e bruto
Que lhe roubou aquilo que era seu,
Tal como aconteceu, do pampa ao Amapá,
Demarcação lá!
Demarcação já!
Já que é assim que certos brancos agem:
Chamando-os de selvagens, se reagem,
E de não índios, se nem fingem reação
À violência e à violação
De seus direitos, de Humaitá ao Jaraguá;
Demarcação já!
Demarcação já!
Pois índio pode ter iPad, freezer, TV, caminhonete, “voadeira”,
Que nem por isso deixa de ser índio
Nem de querer e ter na sua aldeia
Cuia, canoa, cocar, arco, maracá.
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra que o indígena não seja um indigente,
Um alcoólatra, um escravo ou exilado,
Ou acampado à beira duma estrada,
Ou confinado e no final um suicida,
Já velho ou jovem ou – pior – piá.
Demarcação já!
Demarcação já!
Por nós não vermos como natural
A sua morte sociocultural;
Em outros termos, por nos condoermos –
E termos como belo e absoluto
Seu contributo do tupi ao tucupi, do guarani ao guaraná.
Demarcação já!
Demarcação já!
Pois guaranis e makuxis e pataxós
Estão em nós, e somos nós, pois índio é nós;
É quem dentro de nós a gente traz, aliás,
De kaiapós e kaiowás somos xarás,
Xará.
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra não perdermos com quem aprender
A comover-nos ao olhar e ver
As árvores, os pássaros e rios,
A chuva, a rocha, a noite, o sol, a arara
E a flor de maracujá,
Demarcação já!
Demarcação já!
Pelo respeito e pelo direito
À diferença e à diversidade
De cada etnia, cada minoria,
De cada espécie da comunidade
De seres vivos que na Terra ainda há,
Demarcação já!
Demarcação já!
Por um mundo melhor ou, pelo menos,
Algum mundo por vir; por um futuro
Melhor ou, oxalá, algum futuro;
Por eles e por nós, por todo mundo,
Que nessa barca junto todo mundo “tá”,
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que depois que o enxame de Ibirapueras
E de Maracanãs de mata for pro chão,
Os yanomami morrerão deveras,
Mas seus xamãs seu povo vingarão,
E sobre a humanidade o céu cairá,
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que, por isso, o plano do krenak encerra
Cantar, dançar, pra suspender o céu;
E indígena sem terra é todos sem a Terra,
É toda a civilização ao léu
Ao deus-dará.
Demarcação já!
Demarcação já!
Sem mais embromação na mesa do Palácio,
Nem mais embaço na gaveta da Justiça,
Nem mais demora nem delonga no processo,
Nem retrocesso nem pendenga no Congresso,
Nem lengalenga, nenhenhém nem blablablá!
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra que nas terras finalmente demarcadas,
Ou autodemarcadas pelos índios,
Nem madeireiros, garimpeiros, fazendeiros,
Mandantes nem capangas nem jagunços,
Milícias nem polícias os afrontem.
Vrá!
Demarcação ontem!
Demarcação já!
E deixa o índio, deixa o índio, deixa os índios lá.
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